quinta-feira, 6 de julho de 2006

Viver não dói

Tenho uma competição diária saudável com um grande colega de trabalho, italiano e frade, ao que se refere à conhecimento: Ele me testa, encaminhando "frases famosas", trechos de livros de Machado de Assis. E eu devolvo o desafio. Hoje, para minha surpresa, me senti quase subestimado (Quase não, totalmente) quando ele me enviou uma estrofe do poema abaixo. Oras, é Drummond! E dos famosos! Ponto para mim! Ponto para Drummond! E para o Frade Italiano, que relembrou um bonita poesia.


Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram. ]
Por que sofremos tanto por amor?

O certo seria a gente não sofrer,
apenas agradecer por termos conhecido
uma pessoa tão bacana,
que gerou em nós um sentimento intenso
e que nos fez companhia por um tempo razoável,
um tempo feliz.

Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer
pelas nossas projeções irrealizadas,
por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido
ao lado do nosso amor e não conhecemos,
por todos os filhos que
gostaríamos de ter tido junto
e não tivemos,
por todos os shows e livros e silêncios
que gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados,
pela eternidade.
Sofremos não porque
nosso trabalho é desgastante e paga pouco,
mas por todas as horas livres que deixamos
de ter para ir ao cinema,
para conversar com um amigo,
para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe
é impaciente conosco,
mas por todos os momentos
em que poderíamos estar confidenciando
a ela nossas mais profundas angústias
se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu,
mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos,
mas porque o futuro está sendo confiscado de nós,
impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos
e nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!
A cada dia que vivo,
mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca,
e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade..
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional.

Carlos Drummond de Andrade