segunda-feira, 3 de julho de 2006

Um trecho de "Declaração de Amor"

Este soneto de Veríssimo tem um jogo de palavras incrível. Na verdade, é apenas um trecho de um Soneto chamado "Declaração de Amor" - Trouxe este texto porque, ao menos para mim, é confortável encontrar, também na poesia, desencontros entre duas pessoas.


"...Tu e Eu
Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça e a sabedoria de só saber crescer até dar pé.
Eu não sei onde quero chegar e só sirvo para uma coisa - que não sei qual é!
És de outra pipa e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.


Gostas de um som tempestade, roque lenha muito heavy
Prefiro o barroco italiano e dos alemães o mais leve.
És vidrada no Lobo eu sou mais albônico.
Tu, fão.
Eu, fônico.

És suculenta e selvagem como uma fruta do trópico
Eu já sequei e me resignei, como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim, eu não tenho nada teu.
Tu, piniquim.
Eu, ropeu.

Gostas daquelas festas que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais, em que sou pertinente e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto, és uma miss, eu um místico.
Tu, multo.
Eu, carístico.

És colorida, um pouco aérea,e só pensas em ti.
Sou meio cinzento, algo rasteiro, e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano uma sã e o outro insano.
Tu, cano.
Eu, clidiano.

Dizes na cara o que te vem a cabeça, com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,escolho uma terceira e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano, enquanto eu cismo.
Tu, tano.
Eu, femismo."

Luiz Fernando Veríssimo (O "Luis" de Veríssimo se escreve com "s". Mas, como meu Luiz é com "z", por favor, permitam-me errar de propósito)