quarta-feira, 27 de junho de 2007

Pessoa admirável és tú, Pessoa...

"Pessoa admirável és tú, Pessoa
Que corresponde ao delato de uma vida vadia e pedinte
E, então, suporta-me como lentes de grau intenso
Entregas inspirações de pessoas à beira do Tejo
Desnuda-nos em partes de denúncias plausíveis -
Aparentemente de todos, todos.

Ei-lo sem mácula, de escrita aberta e variável
De Campos, Reis e Rainhas, todos os teus...
Dá-nos direção ao reflexo infindo da natureza humana;
Ora alterca abertamente, outras tantas contempla
Tens simpatia por mim e por esta gente toda
És, invarialvelmente, aprovado. Pessoa correta, Pessoa.
Invade em linhas retas e muitas tua prosa de títulos desiguais,
Assina por ti e por todos, os teus; Teus rebanhos de antigamente.

E, no entanto, rogo-te, então, a falar de amor
O mais é nada, tal qual me disseste.
Deverias ter criado algum apaixonado, triste de ser
Incomum; Ridículas são as cartas, disseste?
Descreva neste caso amando, este sentimento árido
Que inunda-nos de ansiedade;
Que pessoa não ama?
Traz-me o amor como a Vênus de Milo, esqueça o estúpido binômio...
Com a mesma herdade qual desvenda-nos a alma.
Dirias que pensar no amor é desobedecê-lo?
Não viste Ele fugir do céu e visitar-nos na Terra?

És agora que o sentido sobrepõe-se a razão,
Tudo, absololutamente tudo, menos ter razão
Esgota-nos com seu cheiro rutilante de promessas, conluie!
Enlaça-te as mãos de Lídia, no mesmo rio que te conhece
Levante todo seu corpo da realidade que sente, desvarie
E conte-nos sobre amor, um óbolo sequer
Uma amostra, um riso
Por um instante, não como amante
Mas como pessoa, Pessoa."


Luiz Felipe Angulo Filho

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Sou Eu, Fernando Pessoa

Sinceramente, acho interessante a reação que as publicações deste blog causam, especialmente em pessoas mais próximas a mim. De fato, todas as poesias e letras que trouxe fizeram, de alguma forma, parte de um momento - uns curtos outros tantos maiores. Mas antes de qualquer coisa, são mensagens que julgo valiosas, ricas, bonitas. Claro que há identificação, mas às vezes é isso; Identificação.

"(...)Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira (..)"
Ferreira Goulart
Sou Eu

Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.

Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.

Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.

Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora E não as lágrimas mortas de custar a engolir.

Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.

Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.

Sou eu mesmo, que remédio!

Álvaro de Campos

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Soneto do Último Amor

Em que tenho sua companhia
Consisto em ser em ti o que sou
Creio na idéia do absoluto, ou
Obscureço, sem minha alegria

Na poesia de nós estremeço
Traduzo-me em ser por todo seu
Qual propõe-se similar ao céu
No sorriso em que, a ti, mereço

Envaideço ao entregar-te a vida
Amo-te enfim por assentir,
Por minha necessidade cumprida

Quando te amo, sou todo tempo
Disposto a você (apenas) e ao mais atrair
Os beijos seus de cada momento

Luiz Felipe Angulo Filho

quarta-feira, 6 de junho de 2007

A Mulher e o reino

Sinto uma enorme pena de mim mesmo por não poder passar o dia pesquisando poemas. Eu gostaria, sim, de poder ter como esta minha atividade. Alguns eu reconheceria, alguns tantos eu me surpreenderia, alguns poucos eu não gostaria e nos mais ajeitados, me inspiraria. Passo muito a vista em Drummond, leio e releio sua obra; O mesmo com Pessoa que de tanto ler, acho que já posso reconhecer Caeiro, Campos ou Reis. Mas e os outros? Os outros tantos bons e/ou melhores? Gente nossa, como Suassuna, por exemplo. Fico feliz por isso e, em absoluto, por ter ainda muito tempo para conhecê-los um a um.

A mulher e o reino

Oh! Romã do pomar, relva esmeralda
Olhos de ouro e azul, minha alazã
Ária em forma de sol, fruto de prata
Meu chão, meu anel , cor do amanhã

Oh! Meu sangue, meu sono e dor, coragem
Meu candeeiro aceso da miragem
Meu mito e meu poder, minha mulher

Dizem que tudo passa e o tempo duro
tudo esfarela
O sangue há de morrer

Mas quando a luz me diz que esse ouro puro se acaba pôr finar e corromper
Meu sangue ferve contra a vã razão
E há de pulsar o amor na escuridão

Ariano Suassuna