domingo, 27 de agosto de 2006

O Casal Perfeito

Durante esta semana, o que é muito bom, recebi uma série de textos e indicações para postagem no blog. Mais uma vez opto por um texto que fala de relacionamento que vale muito a pena ler. O texto é de Lya Luft, quem escreveu dois livros que ficaram entre os mais vendidos por meses nos últimos anos, dando continuidade a esta fase de textos e artigos e agradecedo mais uma vez a Roberta, pelos textos semanais.

A solidão dos homens tem a medida da solidão de suas mulheres. Isso eu
disse e escrevi - e repito - em dezenas de palestras por este país afora.
Aí me pedem para escrever sobre o casal perfeito: bom para quem gosta de
desafios.
O casal perfeito seria o que sabe aceitar a solidão inevitável do ser
humano, sem se sentir isolado do parceiro - ou sem se isolar dele? O casal
perfeito seria o que entende, aceita, mas não se conforma, com o desgaste
de qualquer convívio e qualquer união?
Talvez se possa começar por aí: não correr para o casamento, o namoro, o
amante (não importa) imaginando que agora serão solucionados ou suavizados
todos os problemas - a chatice da casa dos pais, as amigas ou amigos
casando e tendo filhos, a mesmice do emprego, chegar sozinha às festas e
sexo difícil e sem afeto.
Não cair nos braços do outro como quem cai na armadilha do "enfim nunca
mais só!", porque aí é que a coisa começa a ferver. Conviver é enfrentar o
pior dos inimigos, o insidioso, o silencioso, o sempre à espreita, o
incansável: o tédio, o desencanto, esse inimigo de dois rostos.
Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não
significa tédio nem fim de tesão), a gente começa a amar de outro jeito.
Ou a amar melhor; ou, aí é que a gente começa a amar. A querer bem; a
apreciar; a respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir falta; a conceder
espaço; a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente.
O cotidiano baixa sobre qualquer relação e qualquer vida, com a poeira do
desencanto e do cansaço, do tédio. A conta a pagar, a empregada que não
veio, o filho doente, a filha complicada, a mãe com Alzheimer, o pai
deprimido ou simplesmente o emprego sem graça e o patrão de mau humor.
E a gente explode e quer matar e morrer, quando cai aquela última gota -
pode ser uma trivialíssima gota - e nos damos conta: nada mais é como era
no começo.
Nada foi como eu esperava. Não sei se quero continuar assim, mas também não
sei o que fazer. Como a gente não desiste fácil, porque afinal somos
guerreiros ou nem estaríamos mais aqui, e também porque há os filhos, os
compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto, é preciso inventar um
jeito de recomeçar, reconstruir.
Na verdade devia-se reconstruir todos os dias. Usar da criatividade numa
relação. O problema é que, quando se fala em criatividade numa relação, a
maioria pensa logo em inovações no sexo, mas transar é o resultado, não o
meio. Um amigo disse no aniversário de sua mulher uma das coisas mais belas
que ouvi: "Todos os dias de nosso casamento (de uns 40 anos), eu te escolhi
de novo como minha mulher".
Mas primeiro teríamos de nos escolher a nós mesmos diariamente. Ao menos de
vez em quando sentar na cama ao acordar, pensar: como anda a minha vida ! ?
Quero continuar vivendo assim? Se não quero, o que posso fazer para
melhorar? Quase sempre há coisas a melhorar, e quase sempre podem ser
melhoradas. Ainda que seja algo bem simples; ainda que seja mais
complicado, como realizar o velho sonho de estudar, de abrir uma loja, de
fazer uma viagem, de mudar de profissão.
Nós nos permitimos muito pouco em matéria de felicidade, alegria,
realização e sobretudo abertura com o outro. Velhos casais solitários ou
jovens casais solitários dentro de casa são terrivelmente tristes e
terrivelmente comuns. É difícil? É difícil. É duro? É duro. Cada dia,
levantar e escovar os dentes já é um ato heróico, dizia Hélio Pellegrino.
Viver é um heroísmo, viver bem um amor mais ainda.
O casal perfeito talvez seja aquele que não desiste de correr atrás do
sonho de que, a pesar dos pesares, a gente, a cada dia, se escolheria
novamente, e amém.


Lya Luft

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Cilcos que terminam

Assim como este blog teve uma fase de sonetos e poesias, parece-me que agora entro na fase de artigos. Na verdade, por mais desordenado que possa parecer, não sou exatamente eu quem escolhe todos os textos, eles me vem: Me encaminham, ouço um trecho e vou atrás de todo o resto e, algumas poucas vezes, efetivamente trago algo que estava na minha cabeça e, como já disse, tem a ver com algo da minha vida. Extraordinariamente hoje, não trago com o texto os créditos do autor (não sei quem escreveu), mas agradeço a Roberta pela lembrança!


Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos, não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram. Foi despedido do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações? Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu. Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seu marido ou sua esposa, seus amigos, seus filhos, sua irmã, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado. Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar. As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora. Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar. Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se. Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando-o, e nada mais. Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal". Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará. Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa, nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é.

Revista do jornal O Globo do dia 22/8/04

segunda-feira, 21 de agosto de 2006

"Evite ser traído", por Arnaldo Jabor

Na última semana fiquei feliz por ter encontrado um texto de Chico Buarque, escrito quando ele tinha apenas 19 anos. Aliás, não são tão raros - pesquisando pela internet achamos com facilidade - Para hoje, reservei um texto que recebi de uma grande amiga assinado por Arnaldo Jabor, outro por quem reservo admiração. Talvez seja a minha primeira postagem que carregue consigo um tempero de humor, mas um humor consciente; Como uma conversa entre um tio mais experiente e um menino novo. Enfim, me agradou.

"Às amigas e amigos modernos.
Não deixem de ler: - Para as mulheres, uma verdade!
Para os homens, a realidade!
Você homem da atualidade, vem se surpreendendo diuturnamente com o "nível"
intelectual, cultural e, principalmente, "liberal" de sua mulher,
namorada etc...
As vezes sequer sabe como agir, e lá no fundinho tem aquele medo de ser
traído - ou nos termos usuais - "corneado". Saiba de uma coisa...
Esse risco é iminente, a probabilidade disso acontecer é muito grande,
e só cabe a você, e a ninguém mais evitar que isso aconteça - ou então
- assumir seu "chifre" em alto e bom som.
Você deve estar perguntando porque eu gastaria meu precioso tempo
falando sobre isso. Entretanto, a aflição masculina diante da traição
vem me chamando a atenção já há tempos.Mas o que seria uma "mulher moderna"?
A principio seria aquela que se ama acima de tudo, que não perde (e nem
tem) tempo com/para futilidades, é aquela que trabalha porque acha que
o trabalho engrandece, que é independente entimentalmente dos outros,
que é corajosa companheira, confidente, amante...É aquela que as vezes
tem uma crise súbita de ciúmes mas que não tem vergonha nenhuma em
admitir que está errada e correr pros seus braços... É aquela que
consegue ao mesmo tempo ser forte e meiga, desarrumada e linda...
Enfim, a mulher moderna é aquela que não tem medo de nada nem de
ninguém, olha a vida de frente, fala o que pensa e o que sente, doa a quem doer...
Assim, após um processo "investigatório" junto a essas "mulheres modernas" pude constatar o pior.
VOCÊ SERÁ (OU É???) "corno", ao menos que:
- Nunca deixe uma "mulher moderna" insegura. Antigamente elas choravam.
Hoje elas simplesmente traem, sem dó nem piedade.
- Não ache que ela tem poderes "adivinhatórios". Ela tem de saber - da
sua boca - o quanto você gosta dela.
Qualquer dúvida neste sentido poderá levar às conseqüências expostas acima.
- Não ache que é normal sair com os amigos (seja pra beber, pra jogar
futebol) mais do que duas vezes por semana, três vezes então é assinar
atestado de "chifrudo". As "mulheres modernas" dificilmente andam
implicando com isso, entretanto elas são categoricamente "cheias de
amor pra dar" e precisam da "presença masculina". Se não for a sua meu amigo...
Bem...- Quando disser que vai ligar, ligue, senão o risco dela ligar pra
aquele ex bom de cama é grandessíssimo.
- Satisfaça-a sexualmente. Mas não finja satisfazê-la. As "mulheres
modernas têm um pique absurdo com relação ao sexo e, principalmente dos
20 aos 38 anos, elas pensam - e querem - fazer sexo TODOS OS DIAS
(pasmem, mas é a pura verdade)... Bom, nem precisa dizer que se não for com você...
- Lhe dê atenção. Mas principalmente faça com que ela perceba
isso.Garanhões mau (ou bem) intencionados sempre existem, e estes
quando querem são peritos em levar uma mulher às nuvens. Então, leve-a
você, afinal, ela é sua ou não é????
- Nem pense em provocar "ciuminhos" vãos. Como pude constatar, mulher
insegura é uma máquina colocadora de chifres.
- Em hipótese alguma deixe-a desconfiar do fato de você estar saindo
com outra. Essa mera suposição da parte delas dá ensejo ao um "chifre"
tão estrondoso que quando você acordar, meu amigo, já existirá alguém
MUITO MAIS "comedor" do que você...só que o prato principal,
bem...dessa vez é a SUA mulher.
- Sabe aquele bonitão que, você sabe, sairia com a sua mulher a qualquer hora?Bem...
de repente a recíproca também pode ser verdadeira.
Basta ela, só por um segundo, achar que você merece... Quando você reparar.. já foi.
- Tente estar menos "cansado". A "mulher moderna" também trabalhou o
dia inteiro e, provavelmente, ainda tem fôlego para - como diziam os
homens de antigamente - "dar uma", para depois, virar do lado e simplesmente dormir.
- Volte a fazer coisas do começo da relação. Se quando começaram a sair
viviam se cruzando em "baladas", "se pegando" em lugares inusitados,
trocavam e-mails ou telefonemas picantes, a chance dela gostar diss o é
muito grande, e a de sentir falta disso então é imensa. A "mulher moderna"
não pode sentir falta dessas coisas...senão..
Bem amigos, aplica-se, finalmente, o tão famoso jargão "quem não dá
assistência, abre concorrência e perde a preferência". Deste modo, se
você está ao lado de uma mulher de quem realmente gosta e tem plena
consciência de que, atualmente o mercado não está pra peixe (falemos de
qualidade), pense bem antes de dar alguma dessas "mancadas"...
proteja-a, ame-a, e principalmente, faça-a saber disso. Ela vai pensar
milhões de vezes antes de dar bola pra aquele "bonitão" que vive
enchendo-a de olhares... e vai continuar, sem dúvidas, olhando só pra você!!!
Quem não se dedica se complica."


Arnaldo Jabor

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Brigas...E Depois?

Naturalmente o exercício de trazer coisas para o Blog que coinscidam com minha realidade atual, não é algo fácil. Talvez até incompleto, já que deixaria de trazer tantas outras coisas que, se não me fazem sentido agora, já me fizeram ou fazem sempre.
Este texto abaixo foi um artigo publicado por Chico Buarque em Maio de 1963. Achei-o em alguma pesquisa e agora trago-o para cá. Não é um poema, letra de música ou cordel, mas é um texto cotidiano; Que questiona e alerta-nos sobre o tempo que podemos perder e/ou o tempo que não podemos perder.


"Eram meras questões de minutos. E o encontro dos namorados mais parecia um duelo de ciúmes.
— Você chega sempre atrasado.

— É, sei. E ontem, quem é que ficou aqui esperando, que nem um pateta?

— Ah, eu só atrasei dois minutos. Hoje você atrasou dez.

— Você é que chegou adiantada. Mas deixa que qualquer desses dias eu descubro o que você tanto faz, que nunca chega na hora certa.

E as discussões se sucediam, sem pé nem cabeça. Mas ciúmes são cegos como o próprio amor. São sentimentos mesquinhos, minuciosos, não esquecem a insignificância dos mínimos segundos. As batidas do coração jamais deveriam se escravizar aos tiquetaques desencontrados de dois relógios diferentes.

A verdade, porém, é que eram ambos loucos, um pelo outro, e seus corações acabavam por se entender, num ritmo comum de compreensão. E as hostilidades descansavam invariavelmente em beijinhos e mil perdões.

— Desculpe, viu, amor?

— Que nada, meu bem, a culpa foi toda minha.

— Não, eu é que fiquei nervosa.

— Deixa disso, eu banquei o bruto.

Por pouco não voltavam a discutir.

Assim correram muitos meses e muitas, muitas brigas, e os dois não chegavam a um acordo. Mas a vida tem dessas coisas. Quando se dá conta, a felicidade já é irremediavelmente retrato na parede, cartinha na gaveta, passando.

Alguns anos mais tarde, ela se casava com um rapaz bonito, tipo galã da Metro. Viveram em harmonia, sem brigas, sem discussões, talvez por falta de imaginação do atlético marido.

Por outro lado, o antigo namorado da adolescência não tardou a se apaixonar pelo lindo dote de uma mocinha que era um tesouro, filha de próspero industrial. Embora se tratasse de uma menina meio café-com-leite, sua herança lhe dava um quê de exótico. Alimentava por ela uma intensa, excêntrica paixão, enquanto que o bonachão rodava com seu Rolls-Royce, jogava em Monte Carlo e repousava em seu iate transatlântico. E numa atitude de misericórdia, suportava, geralmente, como um senhor onipotente, os carinhos milionários da esposa.

Muito tempo depois, porém, por um desses acasos que só o destino sabe explicar, os dois antigos namorados se encontravam nas areias de Copacabana, que é a praia onde todos vão. Já não eram os mesmos. Ele parecia carregar os milhões matrimoniais na respeitável barriga. Ela continuava encantadora, mas apenas na medida que possa encantar uma mulher de cinqüenta anos. Conversaram pouco, o silêncio disse mais. E voltaram a se encontrar, com mais freqüência e menos acaso. Já eram, no entanto, velhos demais para as inflamadas e inúteis discussões dos dezessete anos. Caminhavam calmamente pela areia molhada, mão na mão, por mais ridículo que possa parecer para a sua idade. Caminhavam sem rumo, sem tempo, sem horizonte. E quando se voltavam, sentiam a nostalgia da vida perdida em poucos minutos
. "

Chico Buarque, 1963

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Para viver um grande amor

Hoje o texto não poderia ser diferente. O blog é um exercício de reflexão pessoal e também um canal de exposição, multiplicação e extroversão de sentimentos, acontecimentos e sentidos. Tenho por mim que grande parte de nossas coisas, as quais nos trazem desconforto, solidão e medo é a falta do conhecimento de como viver um grande amor. Seja com uma mulher, com um amigo e, principalmente, nós com a gente mesmo.

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

Vinícius de Moraes

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Compreensão

Compreendo minha companhia, já que de ti não tenho mais
Respeito-te antes, e no encontro comigo me devolvo a reverência
Entrevejo apenas perto e sonho com a distância das últimas páginas
Longe de ti, sou eu.

Anseio por ter-me ainda mais, na presença apática de um cigarro
Envolto a fumaça e ansiedade, entrego um sorriso aos meus
Parto definitivamente para a felicidade, minha, de todos
Longe de ti, sou feliz

E de tanto não ter, entrego à vida a paixão de querer
Quero, portanto, contar comigo, no infindo mundo de mim
Recebo as vozes difusas de outros que não são seus
Longe de ti, não sou só

Lento me faço chorar, de lágrimas poucas e sentimento todo
Encontro prazer no pensar, produzo gracejos e distribuo perguntas
Me escondo na sombra de um canto e canto para alguém escutar
Longe de ti, sou inteiro

De ti, meu amor, conservo a imagem impoluta, íntegra e ideal
Te agradeço por sua ausência de desconhecidos, espaçada
Me inspiro no meu sentimento, mas espero em outra a analogia da paz
Longe de ti, te amo ainda mais


Luiz Felipe Angulo Filho, 2006

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

Mãos Dadas

Quando comecei a ler esta poesia, já tinha por mim que precisava postá-la: "Mundo Caduco", "Grandes Esperanças" etc. - Drummond é impressionante! Ele é simples, mas de uma forma tão sofisticada que sensibiliza qualquer um. Ele, normalmente, tem tanto do que queremos escutar, tanto do que queremos esrever... Mas que bom, assim podemos relê-lo, quantas vezes for preciso. É para isso que temos arquivos, é par isso que temos acervos, livros e, também, é para isso que este blog existe.

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.


Carlos Drummond de Andrade