segunda-feira, 31 de julho de 2006

Quando eu me chamar saudade

"Sei que amanhã
Quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora
Me dê as flores em vida
O carinho
A mão amiga
Para aliviar meus ais
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais"

Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito

domingo, 30 de julho de 2006

Metade

Estava ansioso, e até confuso, em o que seria minha próxima postagem. Mas os últimos dias foram tão recheados de emoção! De todas as ordens. Amigos, familia, trabalho etc. - Portanto, não ficou difícil chegar a este texto, encaminhado por uma grande amiga carioca: Rô, mais uma vez muito obrigado. Pela amizade e pela sempre cooperação - É evidente que, como habitual, trata-se de um texto rico e que diz muito do que eu queria dizer ou, ao menos, sentir...

Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.

Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço,
Que essa tensão que me corroe por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável Que o espelho reflita em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância. Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba,
e que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a plateia e a outra metade, a canção.
E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade... também.

Oswaldo Montenegro

quinta-feira, 27 de julho de 2006

Saudade de uma Resina Lembrança

Saudade de uma resina lembrança
De idéias utópicas, mais reais que o real
Te contemplo, verdade da vida (de perto)
Poesia simplória e ferida
Regozijo de lembrar da esperança
De apoiar-me em paredes,
Manchadas de mãos de brincar
Entristeço, pois me lembro do cheiro,
De meu quarto que precedia o deitar.
Saudades de uma resina lembrança.

Reúno minhas idéias errantes,
Por nada e por ti, por mim.
Escrevo uma prosa marcante
Que de tantas idéias,
Não chegam a um fim.

Somos verdes, desconhecidos.
Desconheço-me de mim, do antes
Sou agora o que fui feito
De idéias utópicas, mais reais que o real
Permaneço indeciso e indago:
Será minha esta vida afinal?

A idéia é uma verdade vencida,
Que sensível faz-se apenas o lembrar
É impróprio definir uma imagem
Como a única figura a se considerar.

O que foi feito de meus brinquedos?
Aqueles pelo qual eu dava valor
Serão eles a causa e o efeito
Que por melancolia são-me entregues com dor
Opto pela culpa nenhuma,
Salvo a rasura de um roteiro desigual:
Quando ganho, sou Deus da vitória
E na derrota, delegado do mal.

Luiz Felipe Angulo Filho, Julho 2006

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Livramento do Brumado

Tive um saxofone por certa vez - Gostava, e gosto, do instrumento: considero-o único, símbolo máximo da boa música - Mas com a mesma velocidade que tive, o vendi. E foi fácil! Meia dúzia de palavras diretas como “vendo Saxofone tal, marca x, cor prata”, veiculado no lugar certo em pouco mais de dois dias me procuraram: “- Alo, é você que está vendendo um Saxofone? Eu estou procurando um para comprar....” – Em 7 minutos tínhamos feito negócio. Eu de São Paulo, sem conhecer o sujeito, ele do interior da Bahia de uma cidade chamada Livramento do Brumado, sei lá há quantos quilômetros de Salvador. Bem, mas como eu queria vender e ele queria comprar, fizemos negócio. Simples assim.

Não muito distante disso havia uma outra história. Os protagonistas eram um sujeito que procurava carinho, amor, buscava com entusiasmo a paz e reunia poesias para entregar a uma mulher que as recebesse saciada; E uma mulher, de uma cidade próxima, que buscava receber carinho, amor, buscava com entusiasmo a paz e ansiosa por poesias. E, assim como encontrei o cidadão de Livramento do Brumado, eles se encontraram.

Rapidamente as coisas se ajeitaram. Quero dizer, rápido se comparado com a proporção desta relação – Trata-se de uma vida, afinal, eles se encontraram, ou não? Ele dava carinho, ela recebia; Ela dava carinho, ele recebia. O amor em pouco tempo apareceu, antes era um palpite, no entanto ganhou vida! Cresceu, se fortaleceu, virou amor. Então vieram as poesias, na hora certa, para não parecer exaltação exagerada. E boas poesias! Algumas, inclusive, musicadas. E, por fim, a paz, que mesmo hesitante e em hora alguma consolidada, apareceu - Um encontro, não uma discordância. Retas paralelas, não transversais.

E foi assim, imbuídos das mesmas aspirações, de desejos os mesmos, que, então, se separaram. Ela reivindicava carinho; Ele acreditava dar... Ele reivindicava carinho, ela aguardava receber para então ser carinhosa. Ele insistia em reaver as poesias, ela já não queria escutar. Ela acreditava no amor, ambiciosa pela vida; Ele também. O amor, existia – será? – Sim, existia. De alguma forma ou dentro de alguma definição. Contudo, ainda não havia a paz, pois, para que assim fosse, haveria de ter aspirações em comum entre as personagens – mas não era assim? Tal como o cidadão de Livramento do Brumado, que buscava um saxofone e o outro (eu) queria vender.

Passados alguns anos, discordaram. Ela e ele. Seguiram suas vidas, afastados, cheia de expectativas e valores os mesmos. Abandonaram o acordo do encontro, em favor de renovarem suas buscas: Ele agonizava carinho, amor, afoito pela paz, buscando poesias para entregar a uma mulher que as recebesse saciada; Ela também.


Luiz Felipe Angulo Filho, 26/07/2006

segunda-feira, 24 de julho de 2006

Soneto do Amigo

Como de hábito, procuro postar mensagens que de alguma forma se relacionem com meu momento pessoal. Tenho muito a dizer para tantas pessoas, essenciamente amigos. E mais do que isso, a poesia nos oferece a oportuniade de darmos a oportunidade de outras pessoas multiplicarem a mesma mensagem, seja ela boa ou ruim - Eis que recorro mais uma vez à Vinícius para tomar emprestado algumas mensagens sobre um assunto que muito me interessa: Amizade.


Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com os olhos que contem o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual à mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

Vinícius de Moraes, Los Angeles, 7/12/1946

terça-feira, 18 de julho de 2006

Confissão

Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas,tarde, ao voltar da festa.

Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.)E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.

Do que restou, como compor um homem
e tudo que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, murmúrios
de riso, entrega, amor e piedade?

Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro – vinha azul e doido –
que se esfacelou na asa do avião.


Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 17 de julho de 2006

Emoção e Poesia

Embora cético demais - ou realista - este poema a mim diz muitas coisas. Muitas coisas diferentes e de sentidos amplos. É curioso o ponto de vista, neste texto, de Fernando Pessoa quando afirma que o amor é melhor definido quando não estamos amando. Curioso, intrigante e coerente. Boa leitura!

Quem quer que seja de algum modo um poeta sabe muito bem quão mais fácil é escrever um bom poema (se os bons poemas se acham ao alcance do homem) a respeito de uma mulher que lhe interessa muito do que a respeito de uma mulher pela qual está profundamente apaixonado. A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrita a respeito de uma mulher abstrata.

Uma grande emoção é por demais egoísta; absorve em si própria todo o sangue do espírito, e a congestão deixa as mãos demasiado frias para escrever. Três espécies de emoções produzem grande poesia - emoções fortes e profundas ao serem lembradas muito tempo depois; e emoções falsas, isto é, emoções sentidas no intelecto. Não a insinceridade, mas sim, uma sinceridade traduzida, é a base de toda a arte.


O grande general que pretende ganhar uma batalha para o império de seu país e para a história de seu povo não deseja - não pode desejar ter muitos de seus soldados assassinados (mortos). Contudo, uma vez que tenha penetrado na contemplação de sua estratégia, escolherá (sem um pensamento para seus homens) o golpe melhor, embora o faça perder cem mil homens, em vez da estratégia pior, ou mesmo a mais lenta, que lhe pode deixar nove décimos daqueles homens com quem e por quem luta, e a quem, em geral, ama. Torna-se um artista por amor a seus compatriotas, e expõe-nos à carnificina por causa de sua estratégia.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Renúncia

É interessante como inevitávelmente os textos mais lidos e com a melhor aceitação são os mais curtos! Este poema abaixo além de curto, é sincero e . É a contra-mão dos textos melosos que descrevem o amor como uma coisa fundamentalmente dramática, única razão de nossa felicidade, acima do bem ou do mal. O Amor é necessário: Por nós mesmos, o resto é consequência de valores e opções que fazemos para nossas próprias vidas.
(Mais um poema em homenagem à minha avó, que mora no céu)

Eu queria uma vida assim com você;
Sem relógio e sem dedo em riste
Sem lei e sem sociedade
Sem satisfação e sem tchau!

Eu queria uma vida assim com você,
mas infelizmente meu querer não é tudo.
E meu poder é limitado felizmente,
minha palavra se esvai.

E este papel se amarela -
é a dúvida do quero e não quero-
Eu queria uma vida assim com você,
mas dou Graças a Deus por não ter,
pois só assim eu sei o quanto lhe quero,
o quanto posso,
mas o quanto não devo.

Neimar de Barros

terça-feira, 11 de julho de 2006

Coração

Perguntaram-me "-Que tipo de poesia você gosta afinal?", respondi "-Das boas!" - Sei que para os estudiosos há uma divisão muito clara no que chamam de "Movimentos Literáreos" - Parnasianismo, Romantismo, Modernismo etc. Mas o que isso importa para mim? Não posso gostar de textos tensos como de Augusto dos Anjos e pensamentos céticos de Nietzsche e, ao mesmo tempo, encontrar inteligência e admiração nos lamentos de amor de Vinícius?
E como últimamente tenho tentado resgatar poesias que tem a ver com meu momento, minha realidade e, sempre, com meus sentimentos, aproveitei para postar uma poesia de Guilherme de Almeida, um Humanista, e quem ainda não citei neste blog.
(Uma pequena homenagem à minha avó, que tinha esta poesia como sua preferida e que hoje mora no céu)


Lembrança, quanta lembrança
Dos tempos que já lá vão!
Minha vida de criança,
Minha bolha de sabão!
Como vais, como te apartas,

E que sozinho que estou!
Ó meu castelo de cartas,
Quem foi que te derrubou?
Tudo muda, tudo passa

Neste mundo de ilusão;
Vai para o céu a fumaça,
Fica na terra o carvão.
Mas sempre, sem que te iludas,

Cantando no mesmo tom,
Só tu, coração, não mudas,
Porque és puro e porque és bom!

Guilherme de Almeida

domingo, 9 de julho de 2006

O Quase

"A desilusão do quase" - Acho esta expressão perfeita! Pior realmente do que a incerteza e muito mais desconfotável que o talvez, é o quase.
Conheci esta poesia ainda este ano, quando pesquisava textos para montar um cartão de Páscoa para a empresa. Fizemos o cartão, então, com um trecho desta poesia - um cartão virtual. E anda está publicado em http://www.proativarh.com.br - Tudo a ver!

Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase.
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cór, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.
Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém,preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.
Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo.
De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.


(Autoria atribuída a Luís Fernando Veríssimo, mas que ele mesmo diz ser de Sarah Westphal Batista da Silva, em sua coluna do dia 31 de março de 2005 do jornal O Globo)

sexta-feira, 7 de julho de 2006

Vou-me embora para Pasárgada

A primeira vez que ouvi esta poesia foi, muito provavelmente, de minha mãe ou meu avô - Um dos dois. Me lembro, inclusive, de estar reclamando da vida de alguma coisa tão importante que nem me lembro mais, e então, me responderam: "- Pois vá-se embora para Pasárgada!" - É claro que minha reação foi questionar: "- O que é Pasárgada?". Aí já se vão alguns anos, mas indubtávelmente ainda não conheci melhor opção de refúgio.
(Quem me lembrou esta poesia há pouco foi minha mãe, a quem mais amo no mundo)

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira

quinta-feira, 6 de julho de 2006

Viver não dói

Tenho uma competição diária saudável com um grande colega de trabalho, italiano e frade, ao que se refere à conhecimento: Ele me testa, encaminhando "frases famosas", trechos de livros de Machado de Assis. E eu devolvo o desafio. Hoje, para minha surpresa, me senti quase subestimado (Quase não, totalmente) quando ele me enviou uma estrofe do poema abaixo. Oras, é Drummond! E dos famosos! Ponto para mim! Ponto para Drummond! E para o Frade Italiano, que relembrou um bonita poesia.


Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram. ]
Por que sofremos tanto por amor?

O certo seria a gente não sofrer,
apenas agradecer por termos conhecido
uma pessoa tão bacana,
que gerou em nós um sentimento intenso
e que nos fez companhia por um tempo razoável,
um tempo feliz.

Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer
pelas nossas projeções irrealizadas,
por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido
ao lado do nosso amor e não conhecemos,
por todos os filhos que
gostaríamos de ter tido junto
e não tivemos,
por todos os shows e livros e silêncios
que gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados,
pela eternidade.
Sofremos não porque
nosso trabalho é desgastante e paga pouco,
mas por todas as horas livres que deixamos
de ter para ir ao cinema,
para conversar com um amigo,
para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe
é impaciente conosco,
mas por todos os momentos
em que poderíamos estar confidenciando
a ela nossas mais profundas angústias
se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu,
mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos,
mas porque o futuro está sendo confiscado de nós,
impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos
e nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!
A cada dia que vivo,
mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca,
e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade..
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 3 de julho de 2006

Um trecho de "Declaração de Amor"

Este soneto de Veríssimo tem um jogo de palavras incrível. Na verdade, é apenas um trecho de um Soneto chamado "Declaração de Amor" - Trouxe este texto porque, ao menos para mim, é confortável encontrar, também na poesia, desencontros entre duas pessoas.


"...Tu e Eu
Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça e a sabedoria de só saber crescer até dar pé.
Eu não sei onde quero chegar e só sirvo para uma coisa - que não sei qual é!
És de outra pipa e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.


Gostas de um som tempestade, roque lenha muito heavy
Prefiro o barroco italiano e dos alemães o mais leve.
És vidrada no Lobo eu sou mais albônico.
Tu, fão.
Eu, fônico.

És suculenta e selvagem como uma fruta do trópico
Eu já sequei e me resignei, como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim, eu não tenho nada teu.
Tu, piniquim.
Eu, ropeu.

Gostas daquelas festas que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais, em que sou pertinente e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto, és uma miss, eu um místico.
Tu, multo.
Eu, carístico.

És colorida, um pouco aérea,e só pensas em ti.
Sou meio cinzento, algo rasteiro, e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano uma sã e o outro insano.
Tu, cano.
Eu, clidiano.

Dizes na cara o que te vem a cabeça, com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,escolho uma terceira e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano, enquanto eu cismo.
Tu, tano.
Eu, femismo."

Luiz Fernando Veríssimo (O "Luis" de Veríssimo se escreve com "s". Mas, como meu Luiz é com "z", por favor, permitam-me errar de propósito)

Desejo Primeiro

Pouco antes de publicar este post, discutia com minha amiga (a que me relembrou deste poema) o quanto a vida é composta por momentos repletos de mensagens. E, ainda, o quanto estas mensagens nos chegam, sempre, na hora exata! Este, para mim, é o grande barato da poesia: Não ler um punhado de frases rimadas e com palavras que cairam no desuso, mas receber mensagens que nos tragam respostas que, se não nos complementam instantaneamente, nos trazem a tranqulidade de saber que elas - as respostas - existem.


Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem se desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito de suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você em pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente, por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele na sua frente e diga "-Isso é meu!",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem, tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher, tenha um bom homem;
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer, não tenho mais nada a te desejar.

Vitor Hugo