quinta-feira, 31 de maio de 2007

Deste amor

Ao que me reservo os encargos de minha alma?
Insinuo censuras ao sentimento que trago -
Não ao que faço, absolutamente,
Ao que falo todavia.-
Jaz na nascente o cepticismo parvo de mim,
Na medida em que prospera meu novo amor...
De qual amor aludo-me, porém?
Deste que busco sinônimo e desvio-me da forma,
Deste próprio que suporto a autoria;
Deste invicto instante sem fim,
Desta enormidade que me constitui,
Deste argumento inviolável de minha conduta,
Deste que me traz saudades incorrigíveis,
Deste que envidas meus sentimentos outros,

Deste qual não posso não ter.
Deste que tem cheiro de ti.
Deste que tenho.

Luiz Felipe Angulo Filho

terça-feira, 29 de maio de 2007

A Brusca Poesia da Mulher Amada II

Em poucos dias, este gueto - digital - completará um ano de poesias, pensamentos e amigos. Houve fases distintas, pra lá de paradoxais; Como eu. O equilíbrio às vezes apareceu, mas jamais foi uma constante: "(...)Não, tudo menos ter razão.", como disse Pessoa há pouco por aqui. Durante este tempo, foram 83 postagens, aproximadamente 1988 acessos e 290 comentários. Muito obrigado a todos por isso! Sigo em frente então!
A primeira postagem dese blog, em Junho de 2006, trouxe uma poesia de Vinícius chamada "A Brusca Poesia da Mulher Amada". Não veio ao acaso; por beleza ou sem critério.Optei por ela especificamente por tratar-se do primeiro poeta que tive contato mais próximo, de menino mesmo. Foi, também, a primeira poesia, que não um Soneto, que conhecia de Vinícius. Há muito daquele instante, naquela poesia; Mas também há muito de prenuncia e outras tantas que valem até hoje:

"(...) comprem bastante papel;
quero todas as minhas esferográficas
Alinhadas sobre a mesa, as pontas prestes à poesia.
Eis que se anuncia de modo sumamente grave
A vinda da mulher amada, de cuja fragrânciajá me chega o rastro.(...)"

E, portanto, compreendendo os 12 meses que distanciam a minha primeira postagem desta atual; Mantendo a proposta de publicar mensagens que me acompanham e, ainda, conhecendo que esta poesia foi escrita em 3 diferentes momentos, trago, agora, a segunda parte:


A Brusca Poesia da Mulher Amada II
A mulher amada carrega o cetro, o seu fastígio
É máximo. A mulher amada é aquela que aponta para a noite
E de cujo seio surge a aurora. A mulher amada
É quem traça a curva do horizonte e dá linha ao movimento dos astros.
Não há solidão sem que sobrevenha a mulher amada
Em seu acúmen. A mulher amada é o padrão índigo da cúpula
E o elemento verde antagônico. A mulher amada
É o tempo passado no tempo presente no tempo futuro
No sem tempo. A mulher amada é o navio submerso
É o tempo submerso, é a montanha imersa em líquen.
É o mar, é o mar, é o mar a mulher amada
E sua ausência. Longe, no fundo plácido da noite
Outra coisa não é senão o seio da mulher amada
Que ilumina a cegueira dos homens. Alta, tranqüila e trágica
É essa que eu chamo pelo nome de mulher amada.
Nascitura. Nascitura da mulher amada
É a mulher amada. A mulher amada é a mulher amada é a mulher amada
É a mulher amada. Quem é que semeia o vento? – a mulher amada!
Quem colhe a tempestade? – a mulher amada!
Quem determina os meridianos? – a mulher amada!
Quem a misteriosa portadora de si mesma? A mulher amada.
Talvegue, estrela, petardo
Nada a não ser a mulher amada necessariamente amada
Quando! E de outro não seja, pois é ela
A coluna e o gral, a fé e o símbolo, implícita
Na criação. Por isso, seja ela! A ela o canto e a oferenda
O gozo e o privilégio, a taça erguida e o sangue do poeta
Correndo pelas ruas e iluminando as perplexidades.
Eia, a mulher amada! Seja ela o princípio e o fim de todas as coisas.
Poder geral, completo, absoluto à mulher amada!
Vinícius de Moraes

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Luzes

Cedido em uma pétala de flores comuns estaria
Reportou-se, em direção a minha e parecia
Imaculada, aquela que supunha ser consorte, quem um dia faria.
Sedente de alegria, em seu busto escrito em poesia
Torna-te esta maravilha que se põe discreta – Ah, pretendia...
Inventar-me-ei para ti e recobrir-te-ei de palavras poucas e companhia
Afear as histórias que são outras e, por fim, reunir-me com o que tanto queria
Naturalmente. Que tinha ela de se comportar? Todavia, não sei ao certo se fazia
E pus-me, então – delinqüente – desejar-te seguro ao que se sucedia.
...
Realizou-me de revolta espontânea e fez-se o bastante, com que não sabia
Entregou-se mulher a valer! Daquela que uma só poderia
Gentilmente, desviou-me – astuta – onde estava e não por onde estaria
Incompleto de mim, surgi-me em tortura; Oh, Pai que desconheço, faça-a sadia
Nau de imensa gratidão; navega em minh’alma e por onde mais gostaria
Aquela que mostrou-se sozinha, a minha, o fim da rebeldia.
...
És decisão perdida, de vantagem aclamada e assim brilharia
Somente minha. Isto tudo que a patente a tua enuncia
...
Mulher de formas sem tipo igual - Exclusiva de mim conservar-se-ia
Indígna de dor; Rutilante alma de amor um só, diante dos desejo abnegaria
N´outro regaço deslumbra-te as lágrimas que suplicam-nos; todavia,
Hei de defrontar com a justa medida, merecida por ti e escreveria
A nossa evidente história de amor.


Luiz Felipe Angulo Filho

terça-feira, 22 de maio de 2007

Esta Velha

A intenção era dar por encerrado a sequência, curta, de Fernando Pessoa. Pois, inclusive, pus-me a me meter no meio com minhas bestialógicas, não sei se concluindo ou dando início à uma nova fase. Eu devia trazer Camões, ao menos português tal qual; Ou aproveitar-me da angústia de Bandeira. Pensei em postar "Martírio", de Junqueira Freire - talvez seja a próxima. Mas, como - ao menos aqui - eu não tenho que seguir nenhuma regra, volto, quase que inevitavelmente para Pessoa.
...
Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.

Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!

Álvaro de Campos

quinta-feira, 17 de maio de 2007

:: Ultimamente

Ao vencê-la, sujeitei-me
Recolhi meu sentimento previamente compreendido
Modifiquei-o – em mim – e obtusamente
Excedi-me na intensidade dos advérbios, enquanto escrevia,
Moralmente, porém.

Pus a amuar-me com o ilustre que produzi anteriormente,
E na admissão de uma nov´alma, presumi instantaneamente os benefícios que tinha:
Quanta beleza os olhos meus reconheciam!
Peço que denuncie a ti do escondedouro que se manteve de mim, prudentemente;
Mas não a mim. Quero manter meu vigor,
Persuadindo-o com a notícia da doçura, estupidamente aprazível
Por então, obtive a virtuosa exibição dos cuidados que minha vista explorava.
Oras....Cale-se - Esforce-se para tanto!
Largue-a linda, simplesmente;

Quanta beleza minha vigília importava!
Em cumplicidade sob o caudilho que se apoderava compulsivamente de mim,
Encolhi os músculos da face em direção à imagem que via, repentinamente;
Rejeitei a antiga história que tinha, placidamente
Ajeitei - me ao centro e estendi-a todos meus dedos tremidos, apaixonadamente

Languescido, suportei sua veia bucólica de fragrância ideal
Deu-me vida movimentos viscosos que reprimiam a impaciência;
Como me podes não valer os olhos, se és essencial na compreensão de não ser?
E com mímica, aproximei-me do chão; Melodiosamente
Larguei-a linda, simplesmente.

Debilitado de tristeza, ergui-me refletido, finalmente
Surgi realizado de ser e escrevia, escrevia, escrevia...
Para dizer da formosura admirável que cansou-se de não me ter
Por definitivo. Como cativo, como cantor.


Luiz Felipe Angulo Filho

segunda-feira, 14 de maio de 2007

:: Liberdade de Minha Pessoa

Desafiei-me a mim,
Na presença de minha imagem que me seguia pela parede
Consumi o argumento recebido
E fiz-me, então, delinqüente disposto, expedito
Assumi um palco de pouca platéia
Mas todos aplicados; em silêncio
Formulei a primeira idéia, excelso.
Preferi as frases curtas, cujos limites me davam tempo de achar a rima
O conteúdo se fazia comum - conclusões de outrora
- E de candura envolvente, quase respostas.

Radiquei-me amigo do viver,
Na estupidez de minha pose
Convenci-me por ter a mim aplausos, cabeças em transe e concordâncias
Ao passo que desvendava todos os demais casos,
Comovido por mim, e a simpatia impoluta de quem me ouve
Movia-me permanentemente abastecido de convicções

Os cotovelos que tenho, erguiam-se admirados
E concluíam minha discussão comigo,
De remoque luso oblíquo como testemunha de veneração,
Sozinho, aprendia com quem ouvia
Repercutia os assuntos os mesmos, incessante e fiel
Não abstinha-me em manifestar-me,
Todavia, arrombava meu idêntico prejuízo moral
Forcei-me a coerência, todavia.

Mudos, a audiência se punha a escutar-me
Os gravetos d´água aplaudiam-me ao embate com o piso
Insistentemente, e minha letargia desaparecia,
Emudecia e dava lugar a moral
A qual, eu mesmo perdi
Ali, na extravagância do falecimento das efemeridades
Em virtude dos presentes, pus-me prudentemente parco
Apoiado pelos interpolados aplausos da quentura,
Que minha imagem já não via mais.

A demência punha-se a concurso a liberdade de mim;
Ao avesso à tradição dos cantos pejados
Estava-me eu, a largas explicações –
De curtas frases e rimas aquelas –
Decoradas pelo entusiasmo
Vi-me afortunado; liberto
Orgulhando-me do exercício
E do caráter da erudição, qual, foi – sim- indubitável!
Não houve discórdias nem apitos,
Não houve misericórdias nem sorrisos
Ouviam-se os gritos das pequenas partes d´água
Que suportavam ansiosos para livrar-me da insanidade que me pus

E, pois, restituir-me em quietação, elogios e silêncio.
Voltarei lacônico, talvez, mas penso que não.
Mas estarei, estúpido, a voltar um dia. Todo dia.

Luiz Felipe Angulo Filho

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Quando Eu :: Fernando Pessoa

Sei muito pouco ou, melhor, conheço pouco de Caieros. Às vezes, na verdade, tenho textos de Pessoa mas não sei ao certo se foi ajudado por Alvaro ou Reis; A verdade é que, pelo pouco que sei, Caeiro é o mestre dos heterônimos de Pessoa. Mas, ao mesmo tempo, parece-me que se trata de uma versão menos filosófica, ele afirma que "pensar retira a visão" - Conlcuindo, Caeiro trás nesta poesia algumas verdades que o próprio pessoa rejeitou - ou disse o contrário. É muita esquizofrenia junta, muita genialidade. É por isso que é completo: Ele ao mesmo tempo que vive, pode dizer que está morto. E depois de morto, ainda pode dizer que está vivo...


Quando Eu

Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo.
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima ...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza ...
Tu mudaste a Natureza ...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.

Alberto Caeiro

domingo, 6 de maio de 2007

Hoje que a tarde é calma e o céu tranquilo :: Fernando Pessoa

Em cada estrofe deste soneto me encontro. É muito mais confortável encontrar na poesia, do que viver na pele. Mas, se é por este caminho que devo seguir, fico feliz em ter a poesia para "Traduzir-me", como falaria Ferreira Goulart. Seja bem-vindo, Cancioneiro!

Hoje que a tarde é calma e o céu tranquilo

Hoje que a tarde é calma e o céu tranqüilo,
E a noite chega sem que eu saiba bem,
Quero considerar-me e ver aquilo
Que sou, e o que sou o que é que tem.

Olho por todo o meu passado e vejo
Que fui quem foi aquilo em torno meu,
Salvo o que o vago e incógnito desejo
Se ser eu mesmo de meu ser me deu.

Como a páginas já relidas, vergo
Minha atenção sobre quem fui de mim,
E nada de verdade em mim albergo
Salvo uma ânsia sem princípio ou fim.

Como alguém distraído na viagem,
Segui por dois caminhos par a par
Fui com o mundo, parte da paisagem;
Comigo fui, sem ver nem recordar.

Chegado aqui, onde hoje estou, conheço
Que sou diverso no que informe estou.
No meu próprio caminho me atravesso.
Não conheço quem fui no que hoje sou.

Serei eu, porque nada é impossível,
Vários trazidos de outros mundos, e
No mesmo ponto espacial sensível
Que sou eu, sendo eu por `'star aqui?

Serei eu, porque todo o pensamento
Podendo conceber, bem pode ser,
Um dilatado e múrmuro momento,
De tempos-seres de quem sou o viver?

Cancioneiro

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Poema em linha reta :: Fernando Pessoa

Uma das razões pelas quais eu estou me propondo a publicar obras de Pessoa é o poema abaixo. Ele fala das fantasias do mundo real - de Príncipes e Princesas. Quem assina é Álvaro de Campos novamente, e tenho por mim que, ao menos parcialmente, ele é meu favorito. Minha mãe diz ter lido este poema para im há algum tempo e que eu não havia gostado. Certamente eu não estava pretando atenção, etava longe, em outro lugar, afinal, sou imperfeito e faço par com Álvaro de Campos.

Poema em linha reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos