Inspirado por algumas pessoas, devo começar a partir desta postagem uma breve sequência de poemas de Fernando Pessoa. As inspirações são as mesmas: famílias, amigos e as circunstâncias. Devo tentar orientar-me pelo que há de mais próximo comigo, cada dia, em cada postagem. Pessoa se multiplica em seus heteronômios - Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Bernando Soares etc. - e, assim, faz-se ser se não toda, boa parte de nossa consciência. Criticando, envolvendo-nos e escrevendo, exaustivamente.
A idéia é simples: Já que é tão rica a obra de Pessoa e por tantas personagens diferentes ela é construída, que, agora, tomo emprestado esta riqueza, como se fosse minha.
Quem bate à minha porta
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro: Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...
Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
As normas reais ou sentimentais da vida -
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque tem razão para chorar lagrimas,
E se revoltam contra a vida social porque tem razão para isso supor.
Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-se com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se há uma razão exterior a ela?
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.
Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.
Coitado do Álvaro de Campos! Tão isolado na vida!
Tão deprimido nas sensações! Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lagrimas (autenticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha olhos tristes por profissão
Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!
E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.
Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro de minha alma!
Mas até nem parvo sou! Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.
Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!
Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.
Álvaro de Campos
Proporcionar a todos os usuários e fundamentalmente para mim, um módico arquivo digital de cultura. Esta é a razão de ser deste Blog. Intervenções precisas, como fez Camões, sem manter um verso em falso; Lamentos de amor de Vinícius, em prosa e verso, falado e cantado; a Esquizofrenia contagiosa de Pessoa; as letras soberanas de Chico Buarque; Os conselhos ditados por Drummond; E por fim, algumas das bestialógicas quais produzo em linhas pretenciosas, todavia bem intencionadas.
domingo, 29 de abril de 2007
terça-feira, 24 de abril de 2007
Lágrimas e Tormentos
Não vou voltar no meu lamento repetitivo da dificuldade em encontrar pessoas compromissadas com determinados assuntos. Porém, existe outra coisa que considero ainda mais raro: Encontrar pessoas que incentivem, cultivem exaustivamente ou cooperem com o conhecimento do outro! Alguém para tomar emprestado livros é fácil, difícil é alguém que os indique e faça questão que você leia. Encontrar alguém que goste de uma música em comum é fácil, difícil é ter alguém que faça questão de gravar um CD para você ouvir. Esta música abaixo, qual propositalmente publico depois de Casimiro de Abreu, é uma resposta a mim mesmo e uma homenagem a alguém que faz questão de dividir comigo, sem censuras, músicas, alegria e conhecimento.
"Lágrimas, tormentos
"Lágrimas, tormentos
Quantas desilusões
Foram tantos sofrimentos
e decepções
Mas um dia o destino
a tudo modificou:
Minhas lágrimas secaram,
Meus tormentos terminaram,
Foi uma nuvem que passou!
Minhas lágrimas secaram,
Meus tormentos terminaram,
Foi uma nuvem que passou!
E hoje a minha vida é um carrossel de alegrias
E como se não bastasse, estou amando de verdade
Me perdoa se eu me excedo em minha euforia
Mas é que agora sei o que é felicidade
Me perdoa se eu me excedo em minha euforia
Mas é que agora sei o que é felicidade."
Argemiro Patrocínio
Minh´alma é Triste
Minh'alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sôbre a laje fria;
E doce e grave qual no templo um hino,
Ou como a prece ao desmaiar do dia.
Se passa um bote com as velas sôltas,
Minh'alma o segue n'amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas
Das andorinhas recortando os ares.
Às vêzes louca, num cismar perdida,
Minh'alma triste vai vagando à toa.
Bem como a fôlha que do sul batida
Bóia nas águas de gentil lagoa!
E como a rôla que em sentida queixa
O bosque acorda desde o albor da aurora,
Minh'alma em notas de chorosa endeixa
Lamenta os sonhos que já tive outrora.
Dizem que há gozos no correr dos anos!...
Só eu não sei em que o prazer consiste.
- Pobre ludíbrio de cruéis enganos,
Perdi os risos - a minh'alma é triste!
Casimiro de Abreu
Carpindo o morto sôbre a laje fria;
E doce e grave qual no templo um hino,
Ou como a prece ao desmaiar do dia.
Se passa um bote com as velas sôltas,
Minh'alma o segue n'amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas
Das andorinhas recortando os ares.
Às vêzes louca, num cismar perdida,
Minh'alma triste vai vagando à toa.
Bem como a fôlha que do sul batida
Bóia nas águas de gentil lagoa!
E como a rôla que em sentida queixa
O bosque acorda desde o albor da aurora,
Minh'alma em notas de chorosa endeixa
Lamenta os sonhos que já tive outrora.
Dizem que há gozos no correr dos anos!...
Só eu não sei em que o prazer consiste.
- Pobre ludíbrio de cruéis enganos,
Perdi os risos - a minh'alma é triste!
Casimiro de Abreu
quinta-feira, 19 de abril de 2007
Contemplação Maior
Por onde não enxergas que tu vives?
Entrego-me a ti contemplativo
Assegura-me, se não sabes, do perigo
Com ti, apresento meus recessos
Minhas confidências e meus excessos
Por onde não enxergas que tu vives?
Entrego-me a ti contemplativo
Assegura-me, se não sabes, do perigo
Com ti, apresento meus recessos
Minhas confidências e meus excessos
Por onde não enxergas que tu vives?
...
Refira-se, sim, a seus sonhos poucos
Àqueles quais os meus já viste a sós
Se fores um dia, reconheço seu posto
Quando ficas comigo, o eu vira nós.
Refira-se, sim, a seus sonhos poucos
Àqueles quais os meus já viste a sós
Se fores um dia, reconheço seu posto
Quando ficas comigo, o eu vira nós.
...
Desvendo sua pele acre de viver
Será que vives e sofres de dor? (como nós)
És minha amante cã e recusas sofrer
Enquanto me choras, antigo assim
Troçar favorável ao dolo sopor
Traz-me suas flores perto de mim
Desvendo sua pele acre de viver
Será que vives e sofres de dor? (como nós)
És minha amante cã e recusas sofrer
Enquanto me choras, antigo assim
Troçar favorável ao dolo sopor
Traz-me suas flores perto de mim
...
O que foi íntimo agora é comum
Suas flores meus segredos de paz
Vi que cresceres de nobreza incomum
O que foi íntimo agora é comum
Suas flores meus segredos de paz
Vi que cresceres de nobreza incomum
...
Não quero que me abras porém
Minha poesia é segredo demais
E teu vaso susténs meu estro, amém.
Não quero que me abras porém
Minha poesia é segredo demais
E teu vaso susténs meu estro, amém.
Luiz Felipe Angulo Filho
terça-feira, 17 de abril de 2007
Ideal é o que serve pra você
Quando li o texto abaixo, que foi-me encaminhado por uma grande amiga, hoje pela tarde, me lembrei de Spinoza! O Filósofo, bacanão do séc. XVII, racionalista. Ele trás em seus projetos muitas questões relacionadas às nossas alternativas na vida. Acho interessante quando ele afirma que a nossa liberdade é restrita à nossa capacidade de sabermos que somos determinados. É um pensamento as vezes contraditório, mas ele reforça dizendo que não somos livres para optarmos pelo não, mas sim em compreendermos o sim. Eu encontrei muito deste pensamento dele neste texto abaixo.
Mas e se agora saísse o sol e a chuva,
assim tudo junto, e a onda quebrasse
em gargalhadas, o silêncio falasse e o meu
sapato encontrasse um caminho longe de mim?
E se agora não tivesse nada de
cabelos, roupas, emissões, numerais, fios,
indústrias, esperas e finais?
E se agora a casa fosse nossa e a
rua ainda fosse nossa casa,
de vizinho qualquer sorriso, de certeza
só a gente, meu descanso sem sininhos,
meus futuros sempre descalços e os sons
só os nossos, e os muros mais simpáticos
e todo mundo sem vergonha
e todo mundo lá na sala?
E se hoje fosse o amanhã querido,
o depois melhor pensado, o momento pra já?
E se o pulo fosse mais alto e as lâmpadas não
queimassem minha paciência de buscar escadas,
e se os livros fossem de comer e se o meu violão
deixasse de ser tão tímido?
E se o corpo não precisasse cansar
pra descansar, chorar para suspirar,
espirrar pra andar de meia e dormir para sonhar?
E se os cegos pudessem ouvir as cores e os
surdos pudessem enxergar o barulho da
campainha desesperada de saudade que
um amor cheio de defeitos toca deseperadamente?
E se o desespero fosse só um amor apressado
e a confusão fosse mais educada e comportada?
E se as ciladas fossem brincadeiras
e as maldades só um tempero que não fizesse parte desse prato?
E se a gente pudesse agora?
Mas e se agora saísse o sol e a chuva,
assim tudo junto, e a onda quebrasse
em gargalhadas, o silêncio falasse e o meu
sapato encontrasse um caminho longe de mim?
E se agora não tivesse nada de
cabelos, roupas, emissões, numerais, fios,
indústrias, esperas e finais?
E se agora a casa fosse nossa e a
rua ainda fosse nossa casa,
de vizinho qualquer sorriso, de certeza
só a gente, meu descanso sem sininhos,
meus futuros sempre descalços e os sons
só os nossos, e os muros mais simpáticos
e todo mundo sem vergonha
e todo mundo lá na sala?
E se hoje fosse o amanhã querido,
o depois melhor pensado, o momento pra já?
E se o pulo fosse mais alto e as lâmpadas não
queimassem minha paciência de buscar escadas,
e se os livros fossem de comer e se o meu violão
deixasse de ser tão tímido?
E se o corpo não precisasse cansar
pra descansar, chorar para suspirar,
espirrar pra andar de meia e dormir para sonhar?
E se os cegos pudessem ouvir as cores e os
surdos pudessem enxergar o barulho da
campainha desesperada de saudade que
um amor cheio de defeitos toca deseperadamente?
E se o desespero fosse só um amor apressado
e a confusão fosse mais educada e comportada?
E se as ciladas fossem brincadeiras
e as maldades só um tempero que não fizesse parte desse prato?
E se a gente pudesse agora?
quinta-feira, 12 de abril de 2007
Dorme, que a vida é nada!
Nos últimos tempos não foram exatamente os dias os quais mais conheci pessoas novas. Porém, as poucas novas pessoas de minha vida são fortes, brilhantes e amigas. O texto abaixo foi-me ditado por uma nova amiga - não replicado por e-mail ou indicado em um livro, foi ditado. Isso não é nada comum, principalmente na era em que Drummond é "coisa de velho", Chico Buarque "é demodê" e a Filosofia é, quase, morta.
Não há lugar nem dia
Melhor entre onde os ramos
"Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
Achou-a em confusão
Com a alma enganada.
Não há lugar nem dia
Para quem quer achar,
Nem paz nem alegria
Para quem, por amar,
Em quem ama confia.
Melhor entre onde os ramos
Tecem docéis sem ser
Ficar como ficamos,
Sem pensar nem querer,
Dando o que nunca damos."
Fernando Pessoa
segunda-feira, 9 de abril de 2007
Samba do Grande Amor
É, o Chico... Na última semana uma grande amiga me emprestou um CD ao vivo, com as boas velhas músicas de Chico. Me impressiona o como em cada nova investida, mesmo em músicas quais já conhecemos, encontramos novas mensagens (ricas, comuns e cheias de conteúdo). Talvez isso também tenha a ver com nosso momento, aliás, eu afirmaria que tem! Ficamos mais abertos à mensagens cheias de amor um dia, no outro nos reservamos à mensagens políticas ou sociais e por aí vai. Hoje, e agradeço muito à muitos por isso, inclusive a mim mesmo, assisto à músicas diversas e consigo rir do pesar e, então, encontrar no sistema saídas e oportunidades, ao invés de angústias e lamentos! Agradeço, portanto, à muitos; Entre estes muitos ao Chico - Buarque - que de tão presente não é mais um compositor ou um poeta, mas sim um parceiro e confidente. "Quem não o conhece não pode mais ver pra crer. Quem jamais o esquece não pode reconhecer"
"Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim o grande amor!
...Mentira
Me atirei assim
De trampolim
Fui até o fim um amador.
Passava um verão
A água e pão
Dava o meu quinhão pro grande amor!
...Mentira
Eu botava a mão
No fogo então
Com meu coração de fiador
Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor!
... Mentira
Fui muito fiel
Comprei anel
Botei no papel o grande amor!
...Mentira
Reservei hotel
Sarapatel
E lua-de-mel em Salvador
Fui rezar na Sé
Pra São José
Que eu levava fé no grande amor!
...Mentira
Fiz promessa até
Pra Oxumaré
De subir a pé o Redentor
Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor!
...Mentira"
Chico Buarque
"Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim o grande amor!
...Mentira
Me atirei assim
De trampolim
Fui até o fim um amador.
Passava um verão
A água e pão
Dava o meu quinhão pro grande amor!
...Mentira
Eu botava a mão
No fogo então
Com meu coração de fiador
Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor!
... Mentira
Fui muito fiel
Comprei anel
Botei no papel o grande amor!
...Mentira
Reservei hotel
Sarapatel
E lua-de-mel em Salvador
Fui rezar na Sé
Pra São José
Que eu levava fé no grande amor!
...Mentira
Fiz promessa até
Pra Oxumaré
De subir a pé o Redentor
Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor!
...Mentira"
Chico Buarque
segunda-feira, 2 de abril de 2007
Concessão Maior
Que fria esta linguagem d´alma
Inebriante paisagem do sol
Reduz-nos aspirantes da calma
Qual, minha, esvai-se bastante só
Ó...sofrimento, que constante és
Dá-nos a paz anterior ao pesar!
Abjure agora a dor de meus pés
Assim, conceba-nos a fim de quietar
Ignore as razões desta origem
Dê-nos vigor obstante ao desgosto
Faz-nos servir, desuse o mau gosto
De trazer-nos perigo (assim) a outrem
Que fria esta linguagem d´alma
Tortura meu corpo para me confortar
Não lamenta meu choro a se envaidar
Que fria esta linguagem d´alma
Luiz Felipe Angulo Filho
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