Durante esta semana, o que é muito bom, recebi uma série de textos e indicações para postagem no blog. Mais uma vez opto por um texto que fala de relacionamento que vale muito a pena ler. O texto é de Lya Luft, quem escreveu dois livros que ficaram entre os mais vendidos por meses nos últimos anos, dando continuidade a esta fase de textos e artigos e agradecedo mais uma vez a Roberta, pelos textos semanais.
A solidão dos homens tem a medida da solidão de suas mulheres. Isso eu
disse e escrevi - e repito - em dezenas de palestras por este país afora.
Aí me pedem para escrever sobre o casal perfeito: bom para quem gosta de
desafios.
O casal perfeito seria o que sabe aceitar a solidão inevitável do ser
humano, sem se sentir isolado do parceiro - ou sem se isolar dele? O casal
perfeito seria o que entende, aceita, mas não se conforma, com o desgaste
de qualquer convívio e qualquer união?
Talvez se possa começar por aí: não correr para o casamento, o namoro, o
amante (não importa) imaginando que agora serão solucionados ou suavizados
todos os problemas - a chatice da casa dos pais, as amigas ou amigos
casando e tendo filhos, a mesmice do emprego, chegar sozinha às festas e
sexo difícil e sem afeto.
Não cair nos braços do outro como quem cai na armadilha do "enfim nunca
mais só!", porque aí é que a coisa começa a ferver. Conviver é enfrentar o
pior dos inimigos, o insidioso, o silencioso, o sempre à espreita, o
incansável: o tédio, o desencanto, esse inimigo de dois rostos.
Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não
significa tédio nem fim de tesão), a gente começa a amar de outro jeito.
Ou a amar melhor; ou, aí é que a gente começa a amar. A querer bem; a
apreciar; a respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir falta; a conceder
espaço; a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente.
O cotidiano baixa sobre qualquer relação e qualquer vida, com a poeira do
desencanto e do cansaço, do tédio. A conta a pagar, a empregada que não
veio, o filho doente, a filha complicada, a mãe com Alzheimer, o pai
deprimido ou simplesmente o emprego sem graça e o patrão de mau humor.
E a gente explode e quer matar e morrer, quando cai aquela última gota -
pode ser uma trivialíssima gota - e nos damos conta: nada mais é como era
no começo.
Nada foi como eu esperava. Não sei se quero continuar assim, mas também não
sei o que fazer. Como a gente não desiste fácil, porque afinal somos
guerreiros ou nem estaríamos mais aqui, e também porque há os filhos, os
compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto, é preciso inventar um
jeito de recomeçar, reconstruir.
Na verdade devia-se reconstruir todos os dias. Usar da criatividade numa
relação. O problema é que, quando se fala em criatividade numa relação, a
maioria pensa logo em inovações no sexo, mas transar é o resultado, não o
meio. Um amigo disse no aniversário de sua mulher uma das coisas mais belas
que ouvi: "Todos os dias de nosso casamento (de uns 40 anos), eu te escolhi
de novo como minha mulher".
Mas primeiro teríamos de nos escolher a nós mesmos diariamente. Ao menos de
vez em quando sentar na cama ao acordar, pensar: como anda a minha vida ! ?
Quero continuar vivendo assim? Se não quero, o que posso fazer para
melhorar? Quase sempre há coisas a melhorar, e quase sempre podem ser
melhoradas. Ainda que seja algo bem simples; ainda que seja mais
complicado, como realizar o velho sonho de estudar, de abrir uma loja, de
fazer uma viagem, de mudar de profissão.
Nós nos permitimos muito pouco em matéria de felicidade, alegria,
realização e sobretudo abertura com o outro. Velhos casais solitários ou
jovens casais solitários dentro de casa são terrivelmente tristes e
terrivelmente comuns. É difícil? É difícil. É duro? É duro. Cada dia,
levantar e escovar os dentes já é um ato heróico, dizia Hélio Pellegrino.
Viver é um heroísmo, viver bem um amor mais ainda.
O casal perfeito talvez seja aquele que não desiste de correr atrás do
sonho de que, a pesar dos pesares, a gente, a cada dia, se escolheria
novamente, e amém.
Lya Luft
Proporcionar a todos os usuários e fundamentalmente para mim, um módico arquivo digital de cultura. Esta é a razão de ser deste Blog. Intervenções precisas, como fez Camões, sem manter um verso em falso; Lamentos de amor de Vinícius, em prosa e verso, falado e cantado; a Esquizofrenia contagiosa de Pessoa; as letras soberanas de Chico Buarque; Os conselhos ditados por Drummond; E por fim, algumas das bestialógicas quais produzo em linhas pretenciosas, todavia bem intencionadas.