quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Estou Cansado

Coisa de Pessoa. Sempre que me aventuro a descobrir poesias novas, fico na dúvida entre Pessoa e algum outro. Às vezes é Pessoa contra Pessoa; Alberto Caeeiro contra Álvaro, contra Ricardo... Ele geralmente ganha, ou se não ganha já fica engatilhado para a próxima.
Esta poesia que trago não teve concorrentes. Eu a procurarva e, então, a encontrei. Não fiquei surpreso com autoria. Boa leitura!

...
Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Álvaro de Campos