Então, despretenciosamente abro meu e-mail a empresa - aqueles onde chovem cobranças, prazos e as boas notícias tardam - e, entre os bons intencionados cartões de Natal diversos, constava um em especial. Um de um dos Diretores de minha empresa como um texto... Não vou, agora, dizer o autor. Tenho por mim que aqui, nesta linha de cima, algumas das pessoas que mais frequentam este espaço já deram o nome.
O que me impressionaou foi o mesmo de outras situações, parecidas com esta: Eu diversifico, até Dostoievski tenho me arriscado, mas as mensagens de maior valor são frequentemente assinadas pela mesma pessoa. Então, fecho esta postagem com um esclarecimento - breve, porém suficiente - sobre minhas ausências, e com mais uma afirmação de minha admiração e indentificação particular como este que assina o texto abaixo.
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A poesia da terra nunca morre. Podemos dizer que as eras passadas foram mais poéticas, mas não podemos dizer (...)
A poesia encontra-se em todas as coisas - na terra e no mar, no lago e na margem do rio. Encontra-se também na cidade - não o neguemos - é evidente para mim, aqui, enquanto estou sentado, há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia no barulho dos carros nas ruas, em cada movimento diminuto, comum, ridículo, de um operário, que do outro lado da rua está pintando a tabuleta de um açougue.
Meu senso íntimo predomina de tal maneira sobre meus cinco sentidos que vejo coisas nesta vida - acredito-o - de modo diferente de outros homens. Há para mim - havia - um tesouro de significado numa coisa tão ridícula como uma chave, um prego na parede, os bigodes de um gato. Há para mim uma plenitude de sugestão espiritual em uma galinha com seus pintinhos, atravessando a rua, com ar pomposo. Há para mim um significado mais profundo do que as lágrimas humanas no aroma do sândalo, nas velhas latas num monturo, numa caixa de fósforos caída na sarjeta, em dois papéis sujos que, num dia de ventania, rolarão e se perseguirão rua abaixo. É que a poesia é espanto, admiração, como de um ser tombado dos céus, a tomar plena consciência de sua queda, atônito diante das coisas. Como de alguém que conhecesse a alma das coisas, e lutasse para recordar esse conhecimento, lembrando-se de que não era assim que as conhecia, não sob aquelas formas e aquelas condições, mas de nada mais se recordando.
Fernando Pessoa em "O Eu Profundo" (circa 1910).